Hoje, depois de muitos dias, amanheci louco pra escrever, com uma comichão no pensamento. Coisas que acontecem a quem gosta de escrever.
Ao abrir os olhos, ainda deitado, começaram a fervilhar as ideias, as palavras. Durante o banho, elas foram aumentando.
Nesse instante, estou sentado à mesa de uma padaria, onde todos os dias tomo meu café, e comecei a escrever.
Então eu pensava: preciso voltar a escrever, sair dessa paralisia mental, criativa, inspirativa, que se abateu sobre mim depois de uma tragédia pessoal.
Isso me levou a pensar como os invernos da alma, os furacões, desertos e turbilhões da vida paralisam a própria vida.
A capacidade de concentração é roubada por lembranças fantasmas que vêm assolar a nossa mente.
Engraçado. Alguns dizem: não fique assim, tenha força, tenha fé, tenha esperança, tudo vai passar.
Sim, tudo vai passar. Mas não é num passe de mágica, da noite para o dia, é preciso caminhar no deserto, encarar o inverno da alma. Até Jesus Cristo teve seu momento de angústia ao ver que em breve teria que passar pela dor, pelo sofrimento e humilhações para pagar os pecados da humanidade.
Outro dia uma amiga, ao ler meu texto “Crônica à solidão”, recomendou-me: não escreva coisas tristes; escreva coisas alegres. Ora, um poeta escreve suas angústias, seu temores, seus sofrimentos, suas experiências de vida.
Grandes escritores e poetas já o fizeram. E eu, que nem poeta sou, apenas, se muito, aprendiz de escritor, que carrega a paixão pela escrita depois da juventude, não seria diferente deles.
Affonso Romano de Sant'Anna escreveu a obra “Ler o mundo”. Quando escrevemos, só estamos fazendo nossa leitura de mundo. Leitura da vida ao nosso redor, dos mistérios da vida, da existência e fragilidade da alma humana. Então, às vezes, é preciso escrever sobre os desertos da vida, sobre os invernos da alma.
São fontes inesgotáveis e imensuráveis de inspiração para exercer nossa liberdade de voz ao mundo. E quantas vezes esses invernos paralisam a vida! A vida trava, os dias se tornam mais longos. A inspiração e a concentração para escrever vão embora. Isso é terrível para quem gosta de fazer uso da arte da escrita para manifestar seus pensamentos.
A atitude para enfrentar novos desafios fica adormecida. A reação ao inverno da alma é lenta.
Às vezes, queremos entender coisas que jamais entenderemos. A essa altura, nem Freud explica, ninguém explica. Nossa voz não encontra eco, e as respostas não vêm.
O que vem é uma avalanche de pensamentos e lembranças que parecem fantasmas carregando o medo, a insegurança e a incerteza sobre o futuro da vida. Mas, claro. Quem saberá o futuro? Ninguém. Mas durante o inverno da alma, achamos que podemos prever o que pode acontecer. Ilusão, pura ilusão.
Outra questão que me veio ao pensamento foi: onde está o amor na humanidade? Por acaso algum dia ele já existiu? E nesses últimos tempos, amor tem sido artigo de luxo, uma raridade. Jesus Cristo, como sempre, tem razão. Ele disse que por se multiplicar a iniquidade o amor de muitos esfriaria. Nem precisamos falar muito para constatar que Ele estava certo.
Amamos quando e se formos amados. É assim que funciona. Amamos quando nossos interesses, caprichos e bem-estar pessoal são atendidos. Amar na dificuldade, na tristeza, nos momentos duros da vida, isso é cada vez mais raro.
Aprendi na igreja que eu frequentava que amar é decisão. Acho que é isso mesmo. Pois se amor depender de contrapartida, não será amor, será troca. Se amar depender de que nossos caprichos e prazeres sejam satisfeitos por outros, então não há virtude nesse amor. Por isso que Jesus mandou amar nossos inimigos. Pois se amar dependesse de receber o bem do outro, não seria amor.
Mas enfim, isso é assunto pra outro texto, pois haveria muito o que dizer.