Hoje (12.04.2012), no horário do almoço, não estava a fim de dirigir carro. Aliás, detesto fazê-lo, faço-o por necessidade. Assim, não quis me deslocar grandes distâncias, resolvi sair andando pelas proximidades à procura de um restaurante. Depois de almoçar, resolvi caminhar por uma rua comercial, no centro de São Luís-MA, e fiquei a observar as pessoas que circulavam por lá.
Lentamente, caminhava e observa o movimento: dos transeuntes, camelôs, vendedores de bugigangas, comerciários nas portas das lojas chamando pra entrar. Não queria comprar nada, apenas procurar uma livraria que ouvi falar estar localizada por ali, mas não achei.
Na multidão, vi rostos redondos, ovais; corpos em forma volumosa, em forma magricela; seres de todo jeito. Pare um dia numa rua movimentada de uma grande cidade e você constatará o que estou dizendo: você verá de tudo. Pessoas aparentemente normais, e outras mais ou menos estranhas.
Gente feia, que nem eu (talvez nem tanto); gente bonita; gente gorda, gente magra; brancos, negros, mestiços, caboclos; de todo tipo que se possa imaginar. Não temos etnia definida, isso é bom. Ninguém pode discriminar ninguém. Nossa origem genética carrega traços do negro, do índio e do branco europeu. Infelizmente, ainda existem os energúmenos que não gostam dos nordestinos, dos negros, e outras formas de discriminação.
Somos assim: de essência má, de natureza ruim. Devo concordar com a teoria cristã de Paulo: não há um justo sequer, e nossa essência é pecaminosa. Hobbes também teorizou o estado de guerra, de selvageria, em que o homem vive. Também concordo com ele. Aos que não acreditam em pecado, chame-o de qualquer coisa, menos de que o ser humano é bom na sua essência, pois não é.
De repente, passei não apenas a caminhar e observar, mas a refletir sobre as observações. Principalmente pessoas em mendicância. Confesso que não vi coisa boa, claro.
Vi um senhor, sentado na calçada com muletas, pernas deficientes, contando com a misericórdia dos que passavam para dar-lhe alguma moeda. Vi um rapaz, maltrapilho, sujo, também sentado no chão, contorcendo-se, tremelicando todo, como se tivesse alguma doença mental. Debatia-se em sofrimento, esperando também alguma moedinha colocada a seus pés.
Vi outro sujeito sentado no meio da rua (por esta não transitam carros), num chão quente, pois aqui faz calor. Não tanto como a minha Manaus, lá é quase insuportável de quente, mas aqui no Sarneyquistão também faz muito calor.
Talvez um pouco do vapor do hades do Sarneyquistão. Não posso falar muito sobre isso, afinal sou um forasteiro e em breve partirei daqui; ou não, o destino só Deus sabe. Pelo que percebo por aqui, há aquele velho dilema quanto ao coronel: ame-o ou deixe-o.
Alguns dizem que tudo que o Maranhão tem ou avançou, deve-se ao ex-presidente, e as críticas dos opositores não se sustentam porque estes quando estiveram no poder, se é que algum dia estiveram, não fizeram nada. O hoje senador, este sim, fez.
Os que o odeiam, dizem que o ilustre político e seu clã estão há quarenta anos no poder e não fizeram nada pelo povo do Maranhão. Não sei, só estou aqui há pouco mais de um ano. Mas pelo que vejo na cidade, parece que a segunda turma está com a razão. Mas enfim, deixa isso pra lá.
Apesar de tudo, respeito e considero a todos meus irmãos brasileiros, sejam do Maranhão ou de qualquer canto desse país, que tanto amo e gostaria de vê-lo muito melhor. Infelizmente, um dos problemas, senão o maior, são os artistas que dominam e estabelecem outros Quistões por aí afora.
Falemos das vidas trágicas que vi. São pessoas sem esperança de vida digna. Doenças incuráveis, genéticas, resultam em vegetação eterna. Outro dia li sobre uma mulher que está há mais de trinta anos numa cama de hospital porque só consegue mexer a cabeça. Ela está publicando um livro, usando a boca para escrever– um exemplo de superação. Mas uma vida difícil, afinal, como sobreviver por mais de 30 anos imóvel no leito duma cama, sem esperança de algum dia ter vida normal?
Assim são esses seres humanos que observei. Talvez tenham até sido abandonados pelos próprios parentes; ou talvez nem os tenham. Nós, humanos, somos assim – às vezes indiferentes, às vezes sem compaixão, e capazes de abandonar até aqueles que nos amam e os que amamos também. Negar isso é hipocrisia.
Bem escondido, sabe-se lá aonde, está guardado um pouco de nossa natureza ruim. Apenas alguns de nós conseguem controlar esse instinto, e como disse Paulo, o apóstolo, é preciso sacrificar nosso próprio corpo, lutar contra a própria natureza, diariamente, para manter a mente e o espírito saudáveis. Alguns não conseguem. É uma tarefa difícil mesmo.
Das pessoas que vi, reflito outra coisa. Presumo que a maioria delas é pobre. Não vejo ricos com doenças genéticas graves que os tornem vegetativos. Talvez existam, mas pela riqueza da família, não ficam pelas ruas mendigando. Eis um mistério a ser desvendado. Será que estou ficando louco a pensar sobre isso? Sei lá. Apenas me veio à mente essa indagação, inquietação. Não tenho respostas, e talvez ninguém nesse mundo as tenha.
Como será que elas sobrevivem com essas limitações físicas? Não podem trabalhar pra ganhar o pão. Alguns não têm nem sanidade pra isso. A vida pra eles não tem nenhum sentido – é uma verdadeira tragédia, por assim dizer.
Pensemos se um desses seres humanos fosse eu ou você. É pra pensar bem antes de qualquer murmuração. A vida, por alguma razão, foi complacente comigo. Apesar da origem pobre que tive – ainda não fiquei rico nem pretendo; apesar das dificuldades na vida, consegui vencer.
Você, apesar também das dificuldades, limitações orçamentárias, financeiras, talvez ainda tenha saúde, pode trabalhar, tem um emprego. Alguns até têm casa própria, um carrinho pra se locomover para o trabalho, pra levar as crianças na escola.
E apesar de tudo isso, volta e meia nos maldizemos. Reclamamos, procuramos culpados pra nossos fracassos. E nesse contexto, até Deus é odiado e responsabilizado por nossas mazelas humanas.
Somos assim, rápidos pra reclamar, maldizer, responsabilizar outros por nossas desgraças. Porém, agradecer, celebrar a própria vida, o pão sobre a mesa, a saúde, os amigos, filhos, e até bens materiais, isso pouco fazemos ou reconhecemos.
Antes de sermos insensíveis e indiferentes, já seria um começo iniciar a reflexão de vida a partir daqueles que não têm o que celebrar dela. Ou talvez, tenham mais do que nós. Quem saberá!