Essa semana fui almoçar num restaurante self-service desses que existem por aí. Ao sentar-me para começar o almoço, vi que tinha uma TV exibindo um programa local, cuja imagem mostrada retratava os catadores de lixo. Eram adultos, jovens, crianças transitando no meio do lixão entre urubus, moscas e sabe-se lá que mais de sujeira.
Num mundo em que nada mais nos assusta ou nos surpreende, confesso que a imagem me chocou. Talvez esteja ficando velho mesmo, mais sensível, afinal ainda fui criado no regime em que se dizia “homem não chora”.
Não chorei, mas por alguns instantes, fiquei parado vendo aquela cena e ao mesmo tempo refletindo sobre a miséria humana e até imaginando que uma daquelas pessoas poderia ser eu. Talvez por alguma força do destino ou por misericórdia de Deus não era. Não que eu seja mais, ou menos, merecedor da misericórdia de Deus do que qualquer ser humano.
Em minha mente vieram várias indagações. Perguntas sem respostas. Seriam aquelas pessoas vítimas dos sistemas corrompidos da sociedade, dos poderes políticos? Seriam vítimas de suas próprias escolhas? Seriam vítimas do próprio destino? Por que Deus permite certas tragédias humanas?
Não, não sei. Não sei se cabe pôr Deus nessas indagações, afinal não fomos criados como marionetes ao bel-prazer de um Deus mau. Eu não creio assim. Ora, Deus criou os seres humanos com o livre arbítrio, com direito as suas próprias escolhas e seus caminhos. Ele não interfere se não for convidado. Do contrário, chamariam Deus de ditador, autoritário e escravista, pois se não pudéssemos exercer nossa liberdade de escolha, então não seríamos livres, seríamos manipulados à própria mercê de Deus. Não acho que seja assim.
Talvez essas pessoas sejam vítimas de seus semelhantes, que de alguma forma contribuíram para tal miséria. Um sistema político, econômico e social excludente, controlado por uma minoria exercente de tais poderes dominadores, mantendo seus privilégios à custa dos pobres miseráveis sem poder nenhum.
Pensei na imensidão de terras que não pertencem a ninguém, mas pertencem a todos os habitantes do planeta, porém alguns se apossam delas e excluem seus semelhantes e os deixam à margem de uma partilha justa. Assim, os pobres miseráveis ficam sem terra, sem trabalho, sem comida, sem vida.
Por último, senti-me grato a Deus, à vida, pelo destino não me ter reservado tal infortúnio. Tive outros. Nasci em casa de palha, luz elétrica só tive aos 10 anos de idade, televisão só aos 15, criado em bairro de periferia com tráfico de drogas, banditismo e prostituição. Mas consegui manter-me distante dos vícios e dos maus caminhos à custa de um padrão de criação e educação de meus avós, que foram sempre inflexíveis nessa jornada. Devo muito a eles o que consegui na vida e o que sou.
Não que seja ou me sinta grande coisa, mas considero-me um vencedor. Isso teve um preço alto. Muito sacrifício, muito estudo, muita ralação, abstinência de bebidas alcoólicas, de cigarro, que na verdade nunca me fizeram falta, nem me senti reprimido por isso. Mas não tenho dúvidas que as coisas poderiam ter sido piores se tivesse trilhado caminhos tortuosos.
Admitindo ou não, isso faz toda a diferença na nossa vida. Vejo, ainda hoje, velhos conhecidos que pararam no tempo, não evoluíram, não melhoraram, suas vidas permanecem as mesmas de antes; sem evolução, sem crescimento, nada mudou pra melhor. O que terá acontecido com eles? Faltou-lhes orientação de alguém? Faltou-lhes atitudes diante da vida? Não sei.
Seria isso mais ou menos a mesma situação dos pobres catadores de lixo? Teriam eles falhado na vida? Ou a sociedade não lhes deu oportunidades?
Quem saberá? O fato é que me senti impotente, angustiado, em ver a situação mencionada. Podemos fazer alguma coisa? Diretamente talvez não; melhorar individualmente aquelas vidas talvez não.
Mas sei que podemos lutar pra tentar melhorar a vida de nossos semelhantes, de forma coletiva. Não como fazem os políticos aproveitadores que compram votos dos miseráveis e participam da manutenção do sistema. Mas assumirmos nossa verdadeira cidadania em cada atitude diante da vida e do mundo.
Precisamos resgatar valores que se transformaram relativos na era da pós-modernidade. A integridade é um deles. Hoje cada vez mais ausente na sociedade da competição, do consumismo, do individualismo, do egoísmo.
A justiça é outro valor. Somos justos com nossos semelhantes em nossas ações? Ou tendemos a preservar nosso egoísmo e interesse pessoal a qualquer preço, sem nos importar com o prejuízo e miséria alheia?
É pra se pensar, ou repensar, o nosso modo de vida na Terra.