VOCÊ PODERIA TER NASCIDO NO HAITI
Essa é uma crônica pra mim mesmo. Nasceu de momentos de melancolia, de irresignabilidade, diante de situações relacionadas a meu estado de saúde, de minha suposta infrutuosidade de vida.
Faz quase 15 anos que concluí meu curso superior. De lá até hoje, só consegui fazer mais uma pós-graduação lato sensu (especialização em auditoria contábil) e concluir uns créditos de mestrado que tive de abandonar por motivos frustrantes e revoltantes que não cabe agora comentar. Na verdade, rendi-me às dificuldades e empecilhos colocados no caminho. Hoje nem sei se me arrependo ou não de abandonar o curso já no estágio final de minha dissertação.
Além disso, iniciei o curso de Direito e abandonei por motivo de mudança de cidade; iniciei o curso de Economia e larguei também. Perdi a paciência de ir pra faculdade pública e os benditos professores aparecerem por lá uma vez ou outra, quando bem entendiam. Eu não precisava mais me submeter àquilo.
Nesses 15 anos, fui vitorioso em vários concursos públicos. Trabalhei na CGU por quase cinco anos e atualmente exerco um cargo público cujo o concurso é de grande concorrência e de grande nível de exigência. Enfim, acho que sou um vitorioso, graças a Deus.
Gosto de estudar, ser produtivo, crescer. Não ter avançado mais, além dos conursos, às vezes me frustra. Gosto de ministrar aulas, mas me aborreci com a falta de interesse de muitos que vão a uma faculdade só atrás do diploma, mas na verdade não querem nada com a vida. Senti-me desestimulado, e como o diz o ditado: joguei a tolha. Resolvi dar um tempo, parei de dar aulas.
Mas parece um paradoxo. De um lado, minha paciência acabou com alunos que não querem nada, jovens preguiçosos, malandros, mal educados; por outro, sofro constantemente com a situação educacional no país, sinto necessidade e vontade de fazer alguma coisa pra mudar esse quadro. Sinto-me responsável por isso. Já tenho o suficiente pra sobreviver, não me preocupo mais em ganhar dinheiro. Não que seja rico, mas estou bem graças a Deus. Agora é hora de contribuir com meu país.
Apesar disso, ando meio perdido sobre o que fazer, como fazer, por onde começar, o que estudar. Mudar de área, talvez. Isso me incomoda e às vezes me abate.
Pra completar, há mais ou menos um ano descobri que estou diabético. Nos primeiros meses, consegui manter níveis de glicose adequados, como recomendados pela médica. Mas nos últimos dois meses esse nível, inexplicavelmente, tem fugido do controle. Digo inexplicavelmente porque sou disciplinado, sigo à risca a dieta, não cometo excesso com frequências. Como a situação já perdura uns dois meses, senti-me frustrado, abatido, chateado.
Talvez isso de alguma forma teha afetado meu estado emocional. Em meio a esse estado, de frustração com a saúde, com meus projetos de vida travados, veio-me à mente a situação miserável do Haiti.
Qual esperança aquele povo tem? Lembrei-me do testemunho pessoal de um militar que esteve lá e comentou comigo a situação triste que viu. Lembrei-me duma frase de outro militar também: não há luz no fim do túnel.
E pensei. Eu poderia ser um haitiano, poderia ter nascido lá, poderia ser uma daquelas pobres e miseráveis crianças sem esperança que vivem lá.
Mas nasci no Brasil. Nasci na pobreza, cresci em bairro pobre, onde havia bandidos, prostituas, traficantes. Apesar de tudo isso, e pela educação firme que recebi dos meus avós, consegui vencer na vida. Pra mim, seguir os maus caminhos, como as drogas e o banditismo, por exemplo, é uma escolha, uma decisão. Esse é meu ponto de vista; se estou certo ou errado, os sociólogos que digam.
Venci pelo estudo, pela garra, pela fé, pela disciplina, pela educação. Posso fazer e alcançar muito mais, é só ter atitudes. Aliás, não só eu, outros também podem. Há horizontes, há oportunidades. Devemos buscá-las.
Então, por que deixar a melancolia atormentar-me? Por que me revoltar com uma doença que não fiz por onde tê-la, mas que tenho condições financeiras pra comprar remédios e fazer tratamento, quando há muitos nesse país que mal conseguem ter renda pra se alimentar?
Já imaginou se eu tivesse nascido no Haiti? Você também poderia ter nascido no Haiti. Pense nisso, antes de murmurar, reclamar da vida, desistir de seus sonhos e projetos.
Há luz no fim do túnel!
Juscelino Nery
Enviado por Juscelino Nery em 12/04/2011