O espírito sonegador
Um dia desses, quando eu ainda trabalhava em aeroporto, atendemos os passageiros de um voo vindo de Miami. Pela legislação aduaneira, os bens importados trazidos pelo viajante estão sujeitos à tributação do imposto de importação, mas o que vemos frequentemente é a eterna atitude de sonegar impostos adotada pelos viajantes brasileiros.
Primeiro caso: um sujeito trazia três notebooks e mais alguns produtos tributáveis, por ultrapassarem a cota de isenção estabelecida pela legislação. Na sua declaração de bagagem informou "nada a declarar". Foi selecionado para verificação de bagagem – procedimento adotado pela alfândega e amparado por lei. Por não ter declarado espontaneamente, como deveria tê-lo feito, foram cobrados o imposto e a multa pela ausência de declaração, como prevê a lei.
O indivíduo esperneou de todas as formas, tentando se livrar da aplicação da lei. Reclamou que era injusto pagar quase 3 mil reais de tributos; informou que tinha 2 filhos estudando no exterior; que era médico; Tornou-se claro que o cidadão possuía a capacidade contributiva – requisito principal para a incidência tributária.
Mas apesar de tudo, relutou, insistiu, reclamou. Não adiantou. A lei é para ser cumprida e igual para todos.
Segundo caso: dois jovens também tentaram ludibriar a fiscalização. Um teve seu imposto calculado para pagamento e sumiu sem pagar, sem autorização legal. O outro fugiu da fila de fiscalização, aproveitando-se da situação em que os servidores estavam ocupados atendendo a outros passageiros.
Ambos ficaram na tentativa, pois foram detidos a tempo para os procedimentos de fiscalização.
Nas situações descritas, vê-se, claramente, o espírito sonegador de impostos existentes na cultura do brasileiro.
Qual seria a causa? Falta de caráter, sonegando a verdade? Querer dar-se bem, bancando a esperteza? Não querer pagar impostos porque tem uma corja de políticos que torram o dinheiro público? Ou a integridade é valor cada vez mais raro na sociedade brasileira?
Qualquer que seja o motivo, nenhum justifica essa atitude. Ser cidadão não é roubar o estado, a sociedade. E quem age sonegando os impostos devidos é ladrão do povo, da sociedade, do Estado.
Se o indivíduo enquadrou-se nos termos da lei à incidência de tributos é porque ele possui capacidade contributiva para tal. Não é um cidadão sem recursos, pobre, desamparado, que não tem condições de arcar com o ônus tributário. Se assim o fosse, não teria recursos financeiros para viajar ao exterior e trazer produtos importados.
O sujeito antes de sonegar os tributos devidos, deveria lembrar-se que é mediante seus tributos pagos que os serviços públicos são financiados, mesmo de forma precária e insatisfatória, principalmente aos mais necessitados. Escolas, hospitais, entre outros bens e serviços públicos, só são possíveis pela arrecadação de tributos.
Reclamar que o Estado não funciona, os serviços públicos não funcionam, é fácil fazer. Mas ser cidadão honesto, íntegro e correto, pagando os tributos devidos, isso muitos relutam em fazê-lo.
Juscelino Nery
Enviado por Juscelino Nery em 10/01/2011
Alterado em 16/02/2011